Entrevista c/ o Adestrador Rodrigo Didier – Parte 2
Rodrigo Didier é um adestrador profissional ímpar, com uma personalidade irreverente e com uma visão única sobre relacionamento, manejo, treinamento de cães e psicologia canina. Mais uma vez Rodrigo concedeu á Equipe Cursos de Adestramento de Cães uma entrevista rica em detalhes aonde nos dá muitas dicas, suas opiniões e sugestões sobre o tema Adestramento de Cães. Rodrigo é figurante, treinador profissional e condutor de cães de trabalho. É proprietário de 3 belos cães, inteligentes e super treinados, Kira – Kiron e Inka (vejam foto dos cães ao final da pagina). Confira abaixo a Entrevista Completa!
1- “Cursos de Adestramento de Cães” : No seu conceito, na sua opinião profissional é necessário alguma característica especial para se tornar um bom adestrador de cães ?
Rodrigo Didier : Essa pergunta gera algumas questões:
O que seria um bom adestrador de cães?
Seria quem tem sucesso na mídia?
Quem consegue orientar e treinar o proprietário?
Quem trabalha muitos anos na profissão?
Quem tem todos os horários cobertos com aulas de adestramento?
Quem certificou um cão de função?
Quem foi campeão em um esporte canino ?
São diferentes objetivos, todos eles exigem conhecimento, dedicação e trabalho, fica difícil definir qual é a formula do sucesso. Eu sou péssimo em “vender” meu trabalho, falo no que eu acredito, me exponho, e as pessoas muitas vezes não querem compreender a minha maneira de ver e entender a origem dos problemas com seus cães.
Eu poderia adotar a fórmula de marketing de muitos, treinamento sem pressão alguma, mas eu estaria dando um tiro pela culatra, minha opção é o esporte, onde os cães são exigidos e submetidos a desafios extremos e possuem comportamentos diferentes do habitual.
Por exemplo: É comum no esporte a utilização de grampos e coleiras eletrônicas, que quando utilizados de forma correta (com conhecimento) não causam dano nenhum aos animais, e mesmo assim são mal vistos(principalmente quando se desconhece a técnica e o os objetivos). E isso seria totalmente inaceitável para o padrão de Marketing Pet atual…
Eu não poderia me vender como uma pessoa que acredita em apenas métodos de reforço positivo, e no vídeo e nas fotos aparecer usando os aparatos, isso ficaria feio e antiético, apesar de muita gente fazer por ai. Na hora de se vender tudo é lindo, na hora de atuar se contradiz… Eu trabalho com as ferramentas que eu acredito, alguns problemas não se encaixam em determinadas receitas de bolo.
Na verdade no mundo pet a maioria dos animais não apresentam problemas reais, e não necessitam de ferramentas especiais, e é nessa que a maioria se mantém, apesar disso, acredito que o marketing pessoal não deveria sobrepujar o objetivo e todas questões que englobam o nosso mundo. Já vi cães na minha jornada que seriam e foram condenados sem que o dito profissional forçasse um pouco mais ou utilizasse outras técnicas baseada na ciência do comportamento.
Existem diferentes objetivos no adestramento, e como já disse, o sucesso de cada uma deles vai ter mais a ver com a personalidades e capacidades individuais do adestrador, do cão e do proprietário do que qualquer outra coisa.
A técnica em si é ciência, portanto dê preferência a conhecimento de boa origem, já vi muita teoria furada, muita palavra bonita, muitos nomes e clichês que nem Freud faria tanta pompa em pronunciar. Muita técnica refinada pode ser ineficaz, e na hora do vamos ver, o adestrador se engana colocando culpa no dono incapaz de entender toda sua ciência. Se engana principalmente por ter um ótimo resultado com os próprios cães que seria o normal, mas não percebe o que foi exigido para aquilo – muito detalhe e dedicação – que a maioria dos proprietários nunca vão ter acesso ou capacidade.
Ninguém será um bom adestrador sem meter a mão na massa, se sujar, quebrar os preconceitos, conhecer a fundo todos os pontos de vista da profissão. A minha primeira ficha caiu quando acabei com a visão de que a formula de relacionamento que temos com pessoas funciona e é igualmente entendida pelo cão.
Por isso acredito que o principal na profissão de adestrador de cães é ter capacidade de “ver o mundo” na ótica dos cães e entender como se relacionam e aprendem entre eles e logicamente compreender como os instintos foram selecionados.
Mas o real sucesso de um adestrador é conseguir ao realizar seu trabalho permitir que o proprietário ou o cão se entendam e se integrem. E principalmente conseguir fazer disso uma atividade rentável e digna, respeitando e valorizando o mercado, ao contrário de muitos por ai, que por desespero se prostituem sabotando ainda mais a profissão.
2- “Cursos de Adestramento de Cães” : Dentro do seu sistema de treinamento de cães uma característica marcante que você enfatiza é a Comunicação entre Homem e Cão. Na prática do treinamento e do relacionamento com cães, o que e como seria exatamente esta comunicação com a espécie canina ?
Rodrigo Didier: A comunicação na qual me refiro é o conjunto de sinais ou estímulos que uso, sejam eles marcados pelo ambiente ou pelo condutor, existem estímulos que devem ser percebidos ou evitados. O cão “sente” o mundo pelo odor, visão, tato e audição. Os sinais devem ser claros, precisos, limpos e objetivos . Sempre explico em meus cursos de adestramento e comportamento de cães que caso o cão não estabeleça uma comunicação ou linguagem limpa, ou não entenda o sentido das coisas, o condutor não fará sentido para o cão, os conflitos aparecerão, e ele não vai interagir como o desejado. Lembro sempre que a comunicação é a base de qualquer relacionamento.
Percebi que os sentidos tem uma hierarquia, por exemplo, os cães dão muita mais atenção para sinais marcados por odores, mas como não temos essa forma de percepção tão desenvolvida fica meio complicado de lidarmos com essa vantagem, fica mais fácil usar o estímulo visual através de posturas que acabam por ser mais intelegiveis e devemos dar muita atenção a isso. Mas como minha escola é o esporte (Schutzhund) e dentro dele a ajuda postural “come” pontos, uso e dou prioridade basicamente a comandos sonoros. Dentro de meu grupo de treinamento tomamos muito cuidado para não fazer associações ruins ou criar conflitos e confusões que não ajudam muito.
Um exemplo simples, é muito comum as pessoas usarem os comandos, tipo um “deita” como antecipador da punição e isso leva a um mau relacionamento com o sinal, toda cena que o cerca acaba sendo associada a algo traumático que deveria ser evitado.
3- “Cursos de Adestramento de Cães” : Quais são as características, semelhanças e peculiaridades dos treinamentos para residência, esportivo e ou policial, e como você observa o Adestramento de Cães no Brasil, No que Tange estas três modalidades?
Rodrigo Didier : Se estamos falando especificamente de proteção, alguns trabalhos devem ser feitos de maneira mais criteriosa que outros. Em proteção pessoal dificilmente teremos cães de qualidade real na mão de alguns clientes, as vezes acontece, mas na média temos que trabalhar com cães limitados, e assim nos esforçar ao máximo. E para piorar tudo, a falta de experiência dos proprietários não ajuda.
Existem maneiras de realizar o serviço, mas é muito difícil chegar a um resultado desejado. Apesar de ser contraria a nossa cultura com animais, sempre explico que o ideal seria o proprietário(interessado em cães de proteção) comprar um cão pronto, funcional, que só precise de passagem de comando e manutenção para que o proprietário entre no espírito da coisa.
Um bom cão de proteção pessoal não necessariamente será um bom cão de multi função, de policia ou esporte. As exigências são similares, mas o resultado dependerá de um diferencial. O cão deve possuir habilidades naturais e resistência psicológica exigida nos mais diferentes ambientes e objetivos.
Já para cães de guarda de perímetro (digo isso porque não acredito em “território” assim como não acredito em propriedade privada canina) precisaremos de alguns cães com comportamentos específicos, talvez mais independente, defensivos, que aceitem bem desafios posturais, com tendências instintivas de resolver as coisas em agressão, com socialização bem forte com a família, e ao contrario com estranhos, porque ao meu ver, um cão não vai pegar estranhos com a mesma convicção se for constantemente exposto a milhares de “humanos legais”, basta observar que para resolver problemas de agressão(isso quando é um problema) socializamos o cão e expomos aos mais diferentes estímulos. O manejo de um cão de guarda de verdade, não é tão fácil nem tão seguro, geralmente cães que fazem isso da maneira desejada sem treinamento ou direcionamento são instáveis… e perigosos, principalmente quando desafiados ou ameaçados. Isso pode acontecer na hora de dar um remédio, a um simples acuamento sem perceber pode gerar respostas, sem o proprietário necessariamente reconhecer a origem.
Apesar de alguns animais supostamente fazerem a guarda sem treinamento, fico até com medo de falar sobre isso. Mas acho que vou desabafar…cara tem muita maluquice… as historias mais sem pé nem cabeça são repetidas como mantras, cães que chupam àgua, que deixam o “intruso” entrar, mas não deixam sair… reconhecem caráter, vão defender o dono pois amam loucamente ele… a galera confunde tudo…a maioria dos cães ditos de guarda ou seja até mais de 90% simplesmente tem a agressão e não tem a mínima ideia de concretizar ela e os fatores que levaram e impossibilitam o animal fazer guarda efetiva são desconhecidos pelos donos. Fica difícil falar com convicção sobre a capacidade de trabalho do animal, pois a maioria nunca foi desafiado, até então sempre venceu seus problemas, porém quando o problema muda de nível e o desafio aumenta, e o cão se encontra sob pressão dentro de mudança total de cena com certeza vai entrar em indecisão(avoidance) ou fuga. Todo cão deve ser direcionado para evoluir treinando, só assim saberemos sua real efetividade.
Mesmo que o controle ou obediência seja “tão importante” como dizem em outros seguimentos, o cão de guarda tem que ser mais independente e ativo, ou seja, o animal obviamente tem de trabalhar sem referência ou comando do proprietário. Tenho uma visão muito própria e critica de alguns trabalhos que vejo por ai, principalmente em proteção residencial. Eu particularmente vejo que nenhum cão esta preparado para a maldade humana, as pessoas tem muita ilusão, existe muito buraco que dificulta sua real efetividade. Dentro da minha percepção tem muito cão dependente de estimulo para trabalhar, sem um enredo especifico não trabalha, são dependentes de sinais claros como uma luva, bite suit, movimentação, estimulo de chicote e guia.
Muitas vezes é a única coisa que esta impossibilitando a fuga é a não área de escape ou guia, principalmente em ambientes amplos com o animal solto que dificulta muito a efetividade.
Já o trabalho de cães de policia eu apenas observo e coloco meus pontos de vista. Apesar de diferentes formas de manejo entres as organizações eu defendo que todo condutor deve buscar criar um link forte com o animal, se não for desta maneira dificilmente vão chegar a um resultado que eu acho desejado, vejo que a grande dificuldade de terem cães com um refino melhor seja principalmente pela falta de qualidade nos animais que adquirem. Tem muito cão bom mas também tem muitos fora dos padrões necessários. Fora a falta de experiência e interesse dos não “cachorreiros”(policiais que são direcionados ao canil sem interesse pela atividade) . O cara de canil deve ser cachorreiro por opção, não por obrigação, tem de gostar de treinar e ser um especialista, e o ideal é ter uma “arma” regulada por ele e para ele… Cão que passa por muita gente acaba conflitado, ou trabalha por um condutor e tende a desrespeitar condutores menos experientes.
O nível de treinamento de cães dentro das policias varia muito, mas eu tenho visto grande melhora na visão geral, principalmente na interpretação do que é desejado em um cão de função(cão de trabalho policial e/ou operacional). As referências acho que mudaram muito com as linhagens de trabalho. Porém as metodologias na qual eles(os militares) tem de ficar presos por logística vai dificultar um trabalho diferenciado.
Não posso também esquecer a falta de cultura de alguns comandos, que prejudica totalmente esse trabalho, muitas vezes para agradar o comando, os cães são treinados em performances “para inglês ver”, em situações fictícias que me fazem imaginar se o cão seria mesmo efetivo naquele direcionamento proposto. Outra coisa, sou totalmente contra performance de circo com cães de função. Cão de função não é para show dog e muito menos fazer exibição…
4- “Cursos de Adestramento de Cães” : Explica melhor essa questão de território?
Rodrigo Didier : Bom, esse assunto quebra a cabeça de muito adestrador desavisado ou que segue cartilha pronta… Algumas questões… Se o cão ataca desconhecidos e não ataca conhecidos é porque ele é territorial, ou apresentava alguma insegurança em determinado perímetro a um estranho?
Este comportamento se repete em ambientes diferentes?
Ele responde estímulos que adquiriu com aprendizado,que podem ser muitos, ou a um instinto territorial de guarda? Se foi instinto quantos cães da linhagem dele possuem o mesmo comportamento e são selecionados para tal? Agora, se este mesmo estranho passa a ser membro constante da casa, é apresentado corretamente e bem socializado ele abandona o instinto ou passa a se sentir confortável com o estimulo apresentado ou continua agindo com agressão?
Poderia dar inúmeros exemplos, de como esse raciocínio se estende a perímetros ou pseudo territórios, como guias, carros, camas, abaixo de moveis, canis, caixas etc…
Outro exemplo, na minha opinião cães muito seguros, duros e de bons nervos, se não forem direcionados para a proteção de perímetro não vão fazer o trabalho tão bem, ao contrario do que fariam se direcionados, cães muito seguros e estáveis não respondem agressivamente a qualquer estimulo.
5 – “Cursos de Adestramento de Cães” : A respeito dos diversos Sistemas e Métodos de Adestramento de Cães como você se posiciona? O que nos diz sobre o Método Clicker?
Rodrigo Didier : O Clicker é um marcador, um sinal que ajuda muito a iniciar o treinamento, tem muitas vantagens e poucas desvantagens e se encaixa muito bem em diferentes métodos. Ele não é um método é um aparato apenas, eu uso muito com cães no processo de indução, mas existem diferentes maneiras de usar, a grande vantagem é que ele é um sinal limpo que não varia como por exemplo sinais audíveis emitidos pelo condutor que podem variar de acordo com a emoção, distancia ou postura por exemplo.
6- “Cursos de Adestramento de Cães” : Há muita gente interessada em ingressar na profissão de Adestrador de Cães, sobretudo depois da exposição de profissionais e cães adestrados na mídia, que orientação e conselho você dá pra estas pessoas ?
Rodrigo Didier : Se for em espote(Schutzhund, Mondio Ring, Agility, etc) procure um bom mestre/grupo e um bom cão, mas se for para adestrar pets cuide muito da sua imagem, entenda o que os proprietários realmente precisam. A princípio eles dificilmente sabem o q querem, diversifique suas ferramentas, aprenda a agradar e lidar com clientes, geralmente o cliente prefere um cão mal educado a um cão que não “goste” do adestrador. Mas tem cliente que realmente tem um problema e este tem de ser resolvido, tenha confiança no que você faz, não se prostitua, se cobra barato está destruindo a profissão, vai ter que puxar o pescoço mil horas por dia no calor por uma miséria de “salário”. Se for trabalhar na área de segurança, aprimore seu inglês, tem muito material bom em vídeos para ser visto, busque todas as ferramentas e entenda ao máximo comportamento e condicionamento canino.
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